Na década de 70 do século passado, duas crises levaram a mudanças profundas na mobilidade dos países nórdicos:

    • A tragédia de termos pessoas a conduzir carros que matavam crianças dentro das localidades;
    • A crise petrolífera que levou os preços dos combustíveis a valores exorbitantes.

    Há 50 anos! Nós também vivemos essa crise nessa altura, mas não respondemos da mesma maneira que o Norte e Centro da Europa.

    Por lá uma das medidas iniciais foi o “Domingo Sem Carros”, decretado pelos governos como uma política pública de emergência.

    As medidas mais eficazes passaram pela realocação do espaço público, por forma a que nele existisse espaço para a bicicleta e o transporte público, em detrimento de espaço para o automóvel.

    Estas medidas levaram a que mais pessoas pudessem andar a pé, de bicicleta e transportes públicos nas cidades, sem acabarem mortas ou feridas. Isso teve também impacto no combate à crise petrolífera, tornando as cidades e os países menos dependentes dos combustíveis fósseis.

    Ao longo dos últimos 30 anos outros países da Europa começaram a reconfigurar os espaços públicos das suas cidades: França, Alemanha, Suíça, e nos últimos 20 anos também a Espanha e a Itália.

    Esta geração tem vivido crises atrás de crises. Hoje a história repete-se como nos anos 70, quer ao nível da crise energética, quer ao nível crise de saúde pública que são os sinistros, desastres e tragédias rodoviárias.

    Recentemente a IEA, Agência Internacional de Energia, veio dizer num relatório que, para conseguirmos reduzir a dependência energética, temos de deixar de usar tanto o carro nas cidades.

    Substituir por carros elétricos ajudava a resolver o problema? Não. Por vários motivos. Alguns deles são o aumento do consumo de energia elétrica, que obriga a um aumento de produção que provavelmente não seria através de energia renovável – nem a rede elétrica está preparada para tal aumento de consumo.

    Para além disso, não resolvemos os problemas de ocupação de espaço público, de congestionamento e sinistralidade.

    Estamos viciados e dependentes dos carros, porque as cidades nos obrigam a isso. No entanto, o carro é o veículo mais ineficiente que existe. Por cada 5 litros de gasolina, só se utiliza 1 para andar, os outros 4 são poluição e calor. A máquina térmica não tira mais do que 33% de eficiência do combustível. E para ter 5 litros de gasolina no carro, tirou-se pelo menos 7 litros do chão. Portanto, para usarmos 1 litro, precisamos de pelo menos 7. Andamos a vestir um “casaco” de 1000 a 2000 quilos, para transportar 70~100 quilos. Por isso, é preciso usar este veículo ineficiente, de forma inteligente.

    Por quase toda a Europa foram implementadas medidas que levaram ao aumento do uso da bicicleta e do transporte público nas cidades por via da redução da utilização do carro em contexto urbano. Essas medidas passaram, principal e necessariamente, por redistribuir o espaço público, com a criação de ciclovias, a redução de velocidades e do número de carros na cidade.

    Construa-se, reafecte-se, redistribua-se aquele que hoje é o espaço automóvel, e as pessoas passarão a usar menos o carro e mais os outros modos de transporte, assim que estes passem a ser mais rápidos e mais seguros.

    Dedique-se mais de 20% do espaço público de cada rua ou avenida para as pessoas que andam a pé.

    Reorganize-se o espaço do carro para que ali possa também passar a existir uma infraestrutura para a bicicleta, que forme uma rede, que seja segura, conectada, direta e legível. A as pessoas passarão a utilizar a bicicleta na cidade quando assim for.

    Garanta-se que o transporte público tem um canal livre, que do ponto A ao ponto B demore sempre o mesmo tempo, independentemente do que esteja a acontecer na cidade, e as pessoas passarão a utilizá-lo para se deslocarem.

    Ao redistribuir o espaço público, ao criar canais dedicados para os modos de transporte público e para a bicicleta, acabar-se-á por retirar espaço ao carro. Muitos dizem que isto é uma loucura, mas esses não conhecem o que a experiência em todo o mundo nos demonstra, como seja, por exemplo, o fenómeno chamado “Traffic Evaporation”. 

    Esse fenómeno dá-se, essencialmente, pela mudança de modo de deslocação, ou seja, as pessoas deixam de usar o carro para usar outros modos de transporte, quando a infraestrutura é redesenhada para esse efeito. Mas não basta um troço isolado, é preciso uma rede que responda às deslocações. Infelizmente alguns “Velhos do Restelo” de Braga, com responsabilidades políticas, vangloriam-se de terem impedido alterações nesse sentido.

    Hoje temos mais de 65% das deslocações a serem efetuadas de carro. Nas cidades europeias com mobilidade sustentável são à volta de 30%. Para atingirmos essa distribuição modal, precisamos de mudanças na infraestrutura. Quando assim for, os carros e carrinhas serão elétricos, e a maior parte das deslocações serão efetuadas a pé, de bicicleta ou de transporte público. Para isso a receita já existe há pelo menos 50 anos, chama-se infraestrutura.

    Antes de dedicar tempo a algumas mudanças comportamentais, é preciso reorganizar a infraestrutura e criar as condições para essas alterações. 

    A mobilidade induz-se.