Em 2016, dois Vereadores e um técnico Municipal mentiam à população quando prometiam que na Rua Nova de Santa Cruz ia caber tudo: passeios mais largos, ciclovias, transportes públicos nos dois sentidos, estacionamento e ainda carros a circular.
Uma pessoa da plateia, durante essa apresentação, perguntava de que lado da rua iam deitar prédios abaixo, pois bastava fazer contas para se concluir que aquilo que diziam era impossível.
Até hoje a Rua não foi inaugurada, os passeios ficaram mais estreitos, estão muito esburacados, com o pavimento solto e imundo, a ciclovia está miserável, com pregos à vista, os carros estacionam por ali dias e dias sem fim e os TUB, que como qualquer operador de transporte colectivo eram contra a remoção de um dos sentido do trânsito de transporte público. Prejudicaram, só naquele ano, 400 mil validações naquelas linhas.
Esperava-se a correção deste erro crasso quando anunciaram que uma das quatro linhas do BRT irá ligar o velho e histórico eixo de transportes públicos, passando na Arcada e na Universidade, através da Rua D. Pedro V e Rua Nova de Santa Cruz.
Parece que afinal não. Talvez nos gabinetes municipais, certamente pessoas que não andam nestas ruas, acham que aquilo ficou melhor e é algo a replicar. Não há outra explicação possível.
Há dias surgiu uma notícia que dava conta que a Rua D. Pedro V ia ser requalificada, que a Junta de Freguesia foi ouvida, e que se vai ao encontro de um processo de auscultação de moradores e comerciantes.
A única reunião onde a Junta de Freguesia esteve presente começou com uma planta em cima da mesa que rapidamente foi fechada dizendo que aquele era um esboço ainda muito primitivo, que iam começar por ouvir e posteriormente apresentariam um projeto e planta final. Até hoje nada foi apresentado.
A Junta de Freguesia pediu para não se repetir o erro da Rua Nova de Santa Cruz, para manter os dois sentidos de transporte público e velocípedes e para aumentar os passeios. Tecnicamente é possível, há espaço para as pessoas andarem a pé, de bicicleta e de transportes públicos nos dois sentidos. Grenoble conseguiu fazê-lo numa rua com 6 metros. Esta tem mais 3 metros de largo.
No Município de Braga, dizem alguns técnicos que não há espaço, mesmo tendo nós dando soluções e demonstrando o contrário, mesmo existindo já um projeto com uma outra solução que viabiliza estes princípios. Quando insistem em que não é possível, muda-se de técnico para um que saiba fazer e possa acompanhar a política que dizem ter para a mobilidade da cidade. Se o técnico está apenas a cumprir as instruções políticas, então haverá uma mudança política certamente, seja ela qual for e a bem de quem anda a pé, de bicicleta e de transporte público.
Não se repetem erros crassos que custarão caro a uma cidade que diz querer dar prioridade aos transportes públicos e modos ativos. As ações demonstram o contrário.
Se tivessem ouvido a Junta de Freguesia e os seus representantes eleitos democraticamente pelo povo, nunca equacionariam retirar dali os autocarros nos dois sentidos, dizendo agora que vão optar por manter um dos sentidos para o transporte público. Uma Rua Nova de Santa Cruz 2.0. E porquê? Bem, tecnicamente isto é impensável, é a morte da operação, de criação de mapas, de circuitos de fácil leitura para o cliente. Para qualquer utilizador de transporte público, é medonho ter de sair na Rua D. Pedro V e, para apanhar o autocarro de regresso, ter de ir para a Rodovia (ou vice-versa em sentido contrário). Não acredito que alguém dos TUB queira sequer isto.
Para nós, que andamos na rua, facilmente percebemos que o comércio daquela rua vive maioritariamente de pessoas que entram e saem dos autocarros. Basta andar por ali diariamente, a várias horas do dia, para se saber isso. Os 39 lugares de estacionamento da Rua D. Pedro V não têm rotatividade, e portanto a maior parte dos carros passa o dia todo no mesmo sítio. A verdade é que 39 carros estacionados praticamente o dia inteiro impedem a circulação adequada de autocarros que transportam milhares de pessoas por dia naquelas duas ruas, e isto é um dano para a cidade.
Envolver os moradores e comerciantes num processo de decisão e co-construção da solução seria excelente, mas para isso era preciso efetivamente envolver todos os stakeholders, escutar todos, introduzir bem as opções técnicas, e não mentir quanto às necessidades ou obrigações legais.
Co-criar e envolver as pessoas é muito diferente de impor, apresentar soluções fechadas e não ceder um milímetro à velha ideia de retirar dali os transportes públicos (retirar num sentido ou nos dois é retirar. Matam o serviço). Aliás, já aconteceu em tempos retirarem dali os TUB contra a população e contra a vontade da empresa. Rapidamente mudaram de ideias.
Mas esta tem sido a tática utilizada por algumas pessoas no Município: apresentar algumas coisas, fazer de conta que ouvem, receber sugestões e no final, fazer exatamente aquilo que tinham mostrado inicialmente, dizendo que foi tudo co-criado e negociado com quem reuniram. Passam todos a ser “sócios”, mesmo não o sendo.
Aquela Rua, bem como a Rua Nova de Santa Cruz, precisa de uma segregação para a bicicleta? A resposta é não. Não há volume nem velocidades naquela rua que justifiquem a segregação. É preciso garantir a circulação nos dois sentidos sim, como em 2014 o fizeram, mas não é necessário fazer a asneira que fizeram na Rua Nova de Santa Cruz.
Há ainda um fenómeno bizarro, uma dualidade. Os mesmos que dizem que as ciclovias não cabem em ruas com mais de 20 metros de largura, como as Avenidas que compõem a Rodovia, ou a Avenida Padre Júlio Fragata ou Frei Bartolomeu dos Mártires, insistem em colocar ciclovias em ruas que precisam de medidas de acalmia de tráfego, e não de segregação. Não conheço nenhum critério que justifique estas opções.
O caminho escolhido para a Rua Nova de Santa Cruz e Rua D. Pedro V dará certamente mote para algum artigo científico sobre governança e soluções a não adotar quando se quer induzir a mobilidade ativa e em transporte público.
A mobilidade induz-se, e é preciso fazer bem as coisas.