A Liberdade é o “direito de um indivíduo proceder conforme lhe pareça, desde que esse direito não vá contra o direito de outrem e esteja dentro dos limites da lei”.

A liberdade de nos deslocarmos a pé fica em causa quando, em vez de se criarem atravessamentos nas avenidas das cidades, preferem colocar barreiras que impedem fisicamente os atravessamentos da faixa de rodagem, obrigando a pessoa a andar a pé 400 a 1000 metros, para fazer um atravessamento que seria de 20 metros. Colocar barreiras para o atravessamento dos peões é mais típico de regimes soviéticos, do que de regimes democráticos que permitem a liberdade e garantem a segurança das pessoas. 

Quando o Município permite a colocação de paineis publicitários no meio do passeio, sobrando escassos 50cm para circular no mesmo, como o que acontece na Av. Cidade do Porto, estamos a por em causa a liberdade da circulação pedonal. Quando há, diariamente, veículos estacionados nos passeios que não são fiscalizados nem há nada que os impeça de o fazer, fica em causa a liberdade de circulação pedonal. 

Acaba por existir um desincentivo ao andar a pé, e a cidade torna-se impossível de circular para quem tem mobilidade condicionada. Não é só ir contra a liberdade que a lei permite, é também estar a contribuir para a criação de um espaço público autocrático e que privilegia e prioriza o uso abusivo e totalitarista do carro.

Incentivar a circulação pedonal é criar percursos diretos, rápidos e seguros. É criar atravessamentos nas Avenidas. É garantir que, na localidade, a cada 50 metros se possa atravessar de um lado para o outro da rua em segurança, porque legalmente isso é permitido. É fazer com que as pessoas possam ir de um lado para o outro de uma avenida, para conversar, visitar, depositar o lixo, ir às compras, ir para o trabalho. É permitirque as pessoas possam circular nos passeios, livres, sem veículos estacionados, a circular e sem mobiliário urbano ou sinalização mal colocada. Em muitos casos é garantir que há passeios! É devolver o espaço público às pessoas. 

A liberdade de escolhermos a bicicleta fica condicionada quando os limites de velocidade nas nossas Avenidas não são respeitados. Quando as ciclovias estão mal desenhadas e não estão conectadas. Quando convidam as crianças a usar a bicicleta, mas depois a infraestrutura convida a velocidades excessivas e dá prioridade, dá privilégio ao uso do carro. Quando os estacionamentos para bicicletas são mal colocados e conseguem ser retirados com as mãos.

A liberdade de escolhermos a bicicleta fica condicionada quando usar a infraestrutura que existe atualmente, as estradas, ruas e avenidas, mete medo às pessoas. Quando não se criam as condições infraestruturais necessárias para induzir o uso da bicicleta.

A liberdade de escolhermos o transporte público fica condicionada quando o autocarro circula no meio do trânsito. Quando a via bus na Avenida 31 de Janeiro termina 20 metros antes de cada cruzamento, perdendo a vantagem para o carro, dando-lhe a ele a frente e continuando o autocarro na fila. Quando não garantem que o transporte público chega primeiro do que o carro, e com isso não cumpre horários, sobretudo nas horas de ponta, o autocarro deixa de ser uma escolha. Quando o transporte público em Braga não ganha quota modal, isso é revelador da falta de liberdade de escolha.

A liberdade de usarmos o carro não pode ser confundida com o imperialismo, com a autocracia, com o extremismo, com o fundamentalismo, com o radicalismo do uso do carro que temos hoje em dia. A liberdade de usar o carro termina na liberdade de andar a pé, na liberdade de se deslocarem de cadeira de rodas, na liberdade de se deslocarem com os carrinhos de bebé, na liberdade de andar de bicicleta e na liberdade de andar de transporte público. Hoje em dia o que dizem ser a liberdade de andar de carro, é uma imposição extremada.

Reorganizar o espaço público, redistribuindo o excessivo espaço hoje dedicado ao carro, não é retirar liberdade a quem utiliza o carro. É dar liberdade para quem anda ou quer andar a pé, de bicicleta e/ou de transporte público. O carro continuará a ter espaço para circular, mas sem nunca pôr em causa o direito de outro em utilizar um modo de transporte em segurança.

Não reorganizar o espaço público tem consequências. Com o conhecimento que hoje existe do impacto que uma reorganização bem feita tem no uso de outros transportes, na redução da sinistralidade, na melhoria da saúde e na redução das emissões que contribuem para as alterações climáticas é incompreensível que nada se faça e que depois se tente fugir de responsabilidades. Não basta andar em passeios de bicicleta, escoltados pela polícia, com um sinal 30 às costas, e achar que já se fez o suficiente.

Longe vai o tempo em que o Rei nunca tinha culpa dos sinistros que aconteciam no reino. Hoje, felizmente, há responsabilidade pela falta de cuidado do espaço público, porque há o dever de vigilância. Se quem tem responsabilidades sobre a cidade faz uma opção radical ao ponto de privilegiar o uso do carro em detrimento de tudo o resto, acaba por ter os mesmos ou piores resultados.

Um espaço público autocrático, sem se conseguir reduzir sinistros, mas sim potenciando velocidades, atropelamentos, despistes, colisões, enfim, desastres em plena cidade, não é cumprir o dever de vigilância para com os cidadãos. Mas com essa opção vem a responsabilidade e a cumplicidade na sinistralidade.

Em Pontevedra olharam para o flagelo da sinistralidade e tomaram medidas que resultaram em 19 anos sem atropelamentos mortais. Em Bolonha introduziram medidas infraestruturais implementadas há um ano e com isso conseguiram passar um ano inteiro sem vítimas nas ruas. Em Braga continua-se a apostar em ‘soluções’ que apenas levarão as pessoas a usar mais o carro e menos os restantes modos de transporte, aumentando ainda o risco de sinistro e de atropelamento.

Afinal nunca se quis eliminar as “barreiras urbanas da cidade”. Afinal nunca se quis “humanizar a rodovia”. Afinal nunca se quis “humanizar o espaço público”. Afinal nunca se quis “acabar com as cicatrizes urbanas”. Afinal nunca se quis introduzir ciclovias nas Avenidas de Braga. Afinal nunca se esteve a trabalhar para “substituir rapidamente as passagens aéreas por atravessamentos de nível”. Por alguma razão nunca apresentaram cronograma para a remoção desta ilegalidade.

A opção do Município de Braga foi imitar as auto-estradas e colocar rails, betão e rede na Avenida Padre Júlio Fragata e na Avenida João XXI. Agora dizem que querem colocar essa solução na Avenida Imaculada Conceição. As Avenidas da cidade não podem ser auto-estradas, a não ser que afinal se queira continuar a privilegiar o carro em detrimento de tudo o resto.

Afinal vão colocar ainda mais barreiras a quem anda ou quer andar a pé, de bicicleta e de transporte público.

A mobilidade induz-se com ações, não apenas com palavras.