Todos os dias de manhã levo a minha filha à escola. Fazemos essa deslocação de forma ativa, quase sempre de bicicleta, algumas vezes a pé. Nesse percurso vemos todos os dias pessoas que deixam o carro estacionado em segunda fila, nos passeios, antes das passadeiras, em cima das passadeiras, enfim, assistimos a todas as formas de estacionamento proibido previstas no código da estrada.
Há dias deixei a minha filha cedo à porta da escola, e estávamos os dois a conversar. De repente um carro que ia a circular na via ia atropelando uma mãe com dois filhos que estavam a atravessar na passadeira, porque estava um carro estacionado imediatamente antes da mesma. O carro mal estacionado era de uma outra mãe que quis levar o filho mesmo à portinha da escola.
Em frente às escolas, todo o menu de infrações de estacionamento está lá. Todo. Não falha um. E para quê? Para algumas pessoas poderem deixar os filhos à porta da escola, literalmente alguns pais deixam o carro estacionado em local proibido, muitas vezes antes da passadeira retirando visibilidade, para poderem sair e levar os últimos 5 ou 10 metros o/a filho/a à porta de dentro da escola! A segurança dos filhos dos outros, os filhos que vão a pé, de bicicleta ou de transporte público, não importa.
Não nos podemos limitar a culpar as pessoas que põem em risco, de forma negligente e inconsciente, os filhos dos outros. Não podemos estar à espera que as pessoas sejam todas cumpridoras da lei. Não são. O ser humano erra, e precisamos de trabalhar para minimizar o erro. Há coisas que a cidade pode e deve fazer.
Há problemas na fiscalização do estacionamento proibido nas frentes de escolas. Não se quer uma cidade policial, mas também não se quer a anarquia dos carros.
Há problemas ao nível do desenho urbano. O Município tem responsabilidade civil por culpa in vigilando, no que diz respeito a situações que seriam evitáveis nas vias públicas.
O Município tem a responsabilidade de garantir que as frentes escolares são seguras, não têm o caos de estacionamento e de carros, que as crianças podem chegar ativamente à escola e que a infraestrutura na cidade privilegia modos de transporte sustentáveis.
Há passes grátis para os jovens até aos 23 anos, há serviços escolares de transportes públicos, há linhas regulares dos TUB, e ainda assim há um excesso de carros às portas das escolas. O transporte público não consegue captar estudantes, porque a cidade não dá prioridade ao transporte público, as linhas que não são lineares, não são legíveis, não são diretas, não garantem que o tempo de percurso é sempre o mesmo.
Por exemplo, os milhares de alunos da Escola Dr. Francisco Sanches, do Colégio Teresiano ou da Calouste Gulbenkian poderiam ter uma paragem mais próxima para o incentivar a utilizar os autocarros que passam na Rua D. Pedro V.
Ao invés o Município quer pôr esses alunos a apanhar/sair do autocarro ainda mais longe, retirando um sentido de trânsito nesta rua passando-o para a Avenida João Paulo II, tal como já fez na Rua Nova de Santa Cruz, tornando ainda menos atrativa a utilização do autocarro. Isto não é dar prioridade ao transporte público, é querer matar a sua utilização na zona urbana. A manter-se a prática de retirar os duplos sentidos do Transporte Público, por alegada falta de espaço, qualquer dia o Bairro da Alegria será privado de transportes públicos.
A falta de infraestrutura adequada põe em causa a segurança, o cumprimento de horários do transporte público e desincentiva as deslocações a pé, de bicicleta e de transporte público..
Ainda há dias, o mau desenho urbano nas frentes escolares permitiu que um alegado erro de um condutor fizesse com que duas crianças e a sua mãe fossem para o hospital depois de serem atropeladas à porta da escola. Com outro desenho das frentes escolares, o sinistro podia ter tido consequências menores. O redesenho das frentes escolares e das cidades também deve servir para isso: reduzir a gravidade e o risco dos sinistros.
Em Braga há, em média, 1 atropelamento a cada 3 dias, sendo 85% dentro dos limites da cidade e 61% dentro dos limites das freguesias com centro histórico. Até quando vamos continuar a aceitar estes números sem dizermos nada e permitindo que as mesmas pessoas com responsabilidade política e técnica nada façam? Que vidas e que direitos é preciso sacrificar para reagirmos?
A mobilidade induz-se.