Ao longo do século XX promovia-se a utilização do carro um pouco por toda a Europa. A promoção do uso do carro foi maior na Europa desde os anos 30 até à crise energética dos anos 70.

Em Amesterdão e na Dinamarca, na década de 30 vários canais de água foram drenados, impermeabilizados e transformados em rodovias. 

Na década de 50 era hábito na Holanda substituir a água dos canais por betão e criar ali rodovias para o tráfego motorizado. A reconstrução das cidades Holandesas, após a 2.ª grande guerra, foi centrada no carro. Em 1950 Utrecht criava uma circular urbana rodoviária, à volta de todo o seu centro histórico, sendo que para isso impermeabiliza os seus canais. Em alguns locais existiam 12 vias de trânsito automóvel! Na Holanda, nessa altura, a ideia de modernização era aproximar as cidades europeias das cidades americanas.

No entanto, a elevada sinistralidade rodoviária nas cidades, sobretudo a morte de crianças, as velocidades excessivas, a falta de espaço público e a crise petrolífera nos anos 70 fizeram com que as cidades do norte da Europa começassem a reorganizar o seu espaço público. Hoje as cidades Dinamarquesas, Holandesas, Belgas e Alemãs têm cerca de 50 anos de reconversão do espaço público das cidades, redistribuindo o espaço que tinham destinado ao carro, a outros modos de transporte.

Estas cidades acabaram por influenciar outras em França, que há 30 anos que estão em transição,na Espanha e em Itália, que o fazem há 20 anos, e agora Portugal começa a recuperar o tempo perdido e a recuperar as suas ruas e avenidas americanizadas.

Em 1975 Utrecht terminava a sua circular urbana. Em Braga, na década de 50 começava-se a abrir a Avenida da Liberdade, a Avenida Imaculada Conceição e a Avenida João XXI. Em 1989 inaugurou-se a Avenida João Paulo II, seguindo-se a Avenida Padre Júlio Fragata em 1993, e o parque e o túnel da avenida em 1994. Em 2001 inaugurou-se a Av. António Macedo e seguiam-se túneis e viadutos para que os carros não tivessem que parar nos cruzamentos.

Enquanto isso, em Utrecht, iniciavam-se os planos para transformar a sua circular urbana em Avenidas, devolver o canal de água à cidade, e criar assim condições para mais pessoas andarem de bicicleta e de transporte público. O último sector foi inaugurado em 2020, num plano que começou a ser gizado em 1999 e cuja obra começou em 2002.

É hora de recuperar o tempo perdido também em Braga, mas para isso é necessário um projeto de cidade e visão. Como a tiveram Santos da Cunha e Mesquita Machado nos seus tempos. Hoje precisamos de olhar para o que tivemos, para as opções, corrigir e melhorar o que hoje sabemos que não funciona, e reorganizar a cidade para ela crescer e ser ainda melhor.

Para os mais distraídos, os orçamentos para investir em variantes mirabolantes, viadutos e túneis urbanos, acabou.

O dinheiro agora é aplicado em retirar túneis e viadutos dos centros das cidades, devolvendo as cidades às pessoas, reduzindo velocidades, aumentando segurança, comodidade, autonomia, a saúde e dando às pessoas a possibilidade de usufruir do espaço público. 

É aplicado na ferrovia, no transporte público, nas ciclovias e na melhoria da mobilidade pedonal.

Ao mesmo tempo, é fundamental ter uma visão de cidade que permita responder às alterações climáticas. Hoje sabemos que teremos fenómenos cada vez mais extremos: períodos de muito calor e seca, e períodos de muita pluviosidade. Por isso é preciso aumentar a capacidade de recolha da água pluvial: como o lavatório já transborda porque se está a despejar baldes de água, então é preciso aumentar os canos e o ralo do lavatório.

E faz falta pensar também em sistemas de armazenamento mais inteligentes. É necessário ter habitação sustentável e apoiar a transformação da habitação já existente. E aí, a recolha e reutilização da água terão um papel fundamental.

A cidade precisa de ser pensada para o futuro. Não podemos apenas reagir nos momentos de urgência, pagando indemnizações e dizer às pessoas “habituem-se”, é preciso adaptar a cidade para a nova realidade. As cidades vivas estão em constante mudança e adaptação.

Antes de dedicar tempo a algumas mudanças comportamentais, é preciso reorganizar a infraestrutura e criar as condições para essas alterações. 

A mobilidade induz-se.