Os sons de uma cidade são muito característicos e variam de território para território. Muitos dos sons da cidade perdem-se com o ruído que os carros fazem e que abafam aquilo que traz autenticidade a cada cidade. Para além disso, a poluição sonora que o ruído dos carros traz à cidade, contribui também para uma debilitação da saúde mental e da utilização do espaço público. Deixamos de ter direito à cidade, porque é desconfortável estar no espaço público. Fomos corridos do espaço público pelo carro, e estamos viciados no carro.
A Holanda, com uma população de 17,5 milhões de habitantes, tinha, em 2022, cerca de 9 milhões de carros registados. Portugal, com 10,3 milhões de habitantes, tinha, em 2022, cerca de 8,5 milhões de carros registados. Ou seja, 0,52 carros por habitante na Holanda e 0,82 carros por cada habitante em Portugal.
Numa cidade como Amesterdão com 830 mil habitantes é possível ouvir, em qualquer rua da cidade e a qualquer hora, o chilrear dos pássaros. Por cá quase só o conseguimos ouvir na época do confinamento e em alguns sítios às primeiras horas do sol da manhã, na hora do galo cantar.
Se a cidade nos permitir deslocar noutros modos de transporte, passamos a ouvir os sons da cidade. Se andar a pé for convidativo, andar de bicicleta for seguro através da existência de uma rede de ciclovias, se o transporte público tiver o caminho livre na sua deslocação, passaremos a ter menos necessidade de usar o carro e, por consequência, menos carros a circular diariamente. Com isso podemos passar a ouvir não só os pássaros a chilrear, mas os sinos a tocar, os grilos, a água do Rio, a música de alguém a tocar, o cantarolar das crianças ou tantos outros sons que a cidade nos dá.
Depois de reorganizarmos e redistribuirmos o espaço público, sem nos esquecermos de todos os modos sustentáveis, passaremos então a ter uma cidade mais amiga das pessoas, mais calma, que nos permite ouvir os sons da cidade que hoje estão abafados pelo som dos carros a circular ou a acelerar.
Isto tudo deveria-nos deixar a pensar na cidade que temos e na cidade que podemos vir a ter.
Não se trata apenas da questão ambiental ou de poluição do ar e sonora, trata-se também da segurança de todos, da fruição do espaço público, da utilização e ocupação do espaço público e da percepção e conhecimento que temos da cidade. Por cada 30 minutos que se anda a pé ou de bicicleta numa cidade, registramos 60 detalhes à nossa volta. Se estivermos num carro a 50 km/h só temos tempo para registar 6 ou 7 detalhes à nossa volta.
Qualquer transformação e mudança têm resistência e um tempo de adaptação necessário para que a mesma obtenha resultados. As mudanças na mobilidade numa cidade não podem ser feitas a conta-gotas, a um ritmo demasiado lento e com demasiadas armadilhas no terreno, pois assim não se alcança o efeito de rede segura que provoca a mudança de comportamentos.
A mobilidade induz-se.