Este texto não é sobre a banda portuguesa Mind da Gap, nem sobre o termo utilizado desde os anos 60 no metro de Londres para alertar sobre o fosso que existe entre a plataforma onde se espera pelo metro, e o veículo que depois nos leva.

É sim sobre um outro gap (fosso) que existe entre quem está com a responsabilidade da gestão do espaço público e da mobilidade nas cidades, e sobre a realidade, sobre o que encontramos no dia a dia.

Quando se ouve ou lê o discurso dos responsáveis municipais sobre a acessibilidade e a mobilidade do nosso concelho, é um paraíso que até faz ganhar prémios. O problema é o gap, o desfasamento da realidade. Tem-se tentado vender uma imagem de Braga que não bate depois com a realidade no terreno. Consegue-se mostrar um centro histórico com boa acessibilidade, uma Avenida da Liberdade com ciclovias, uma foto aérea de uma zona 30.

Mas no dia-a-dia, as pessoas encontram as dificuldades que não batem certo com o discurso de que a prioridade da mobilidade é o peão, seguido da bicicleta e do transporte público.

Quando andamos mais um bocado dentro do centro da cidade e viramos em determinadas ruas, percebemos o fosso que existe entre a percepção de quem está no gabinete e da realidade no terreno. Se sairmos do centro da cidade, o desfasamento com a realidade é ainda maior.

A Rua de São Gonçalo, que tem um colégio, tem passeios de 50 cm, mas tem lugares de estacionamento. A Rua Cruz de Pedra, a 100 metros do Arco da Porta Nova, ora não tem passeios, ora tem minúsculos, mas tem carros estacionados. Na Rua do Areal de Baixo, onde há muitos idosos a morar, não há passeios, mas há carros estacionados e um parque com 50 lugares nessa rua. No Carandá é impossível andar com um carrinho de bebé ou uma cadeira de rodas, mas há espaço para lugares de estacionamento de borla! Na Devesa há atravessamentos sem passadeiras, há passeios que acabam no meio da estrada, há carros estacionados nos passeios. Na Rua de São José os passeios estão completamente esburacados, parece que por ali rebentaram várias bombas. Apenas pavimentaram metade da Avenida Antero de Quental, a outra metade ficou esburacada. Os passeios mantiveram-se todos com altos e baixos.

Podia nomear centenas de ruas nestas condições, que precisam de intervenção para garantir a acessibilidade dos peões. Tenho demonstrado muitas delas nas redes sociais, numa demonstração da realidade, demonstração da Braga real, da Braga inacessível, da Braga onde as pessoas circulam diariamente.

Todas as ruas e todos os atravessamentos têm de garantir que uma pessoa em cadeira de rodas consiga ali circular. Quando se conseguir isso, consegue-se uma mobilidade para todas as pessoas. O que é preciso para isso? Um plano de acessibilidade e de mobilidade, um documento estratégico e ação. Neste momento não há plano nem ação, apenas há reação. Um Município não pode estar sem estratégia.

Se se abre uma vala na Rua Conselheiro Bento Miguel, em frente ao Colégio D. Diogo de Sousa, não se pode tapar a vala e pôr uns paralelos, sem garantir que a terra está bem comprimida. Porque fazer um serviço destes, onde depois o piso se dá, forma-se poças de água, o autocarro passa e molha toda a gente que vai no passeio que também tem poças, é fazer um mau serviço público. Permitir que o façam e não fazer nada quanto a isso, é igualmente mau serviço público.

É inqualificável permitir que o piso da Rua D. Pedro V e Rua de São Victor tenha chegado ao estado que chegou. Inqualificável não se efetuar a repavimentação total da rua, ter valas abertas durante 1 mês sem serem tapadas. Parece propositado.

E quando se passa nestas duas ruas, todas as outras ficam a parecer melhor, mas não estão. 

Não se entende como é que se retiram árvores abatidas, plantam novas e se deixa o passeio em lama e vedado, sem uma alternativa para os peões, numa rua onde passam milhares de crianças e jovens a caminho de duas escolas, como é o caso da Rua Martins Sarmento. Um serviço destes a ser feito, tem de ser feito a eito. Retira a árvore, planta nova, repõe o pavimento. Não é possível repor logo de seguida o pavimento? Têm de se garantir que é criado um corredor de segurança para os peões.

Não há um plano de manutenção e requalificação das vias do concelho. Nem da parte dedicada às viaturas, mas muito menos da parte dedicada às pessoas que andam a pé e em cadeiras de rodas.

Se as estradas estão más em Braga, os passeios (quando existem) estão piores. E uma má infraestrutura pedonal é o primeiro passo para desincentivar a mobilidade a pé. O peão é rei, mas ainda não o é em Braga. 

Não entendo como é que podemos ter o Município a afirmar ter registos de velocidades na ordem dos 200 km/h nas principais avenidas de Braga e nada faz quanto a isso. Essas velocidades afastam as pessoas de andar a pé ou de bicicleta nessas Avenidas. Ainda assim, há quem o faça, com todo o risco que o Município de Braga permite que exista.

E não entendo como não se fiscalizam infrações de estacionamento e excessos de velocidade que existem no Concelho de Braga.

O Município informou que umas câmaras de filmar registaram milhares infrações de estacionamento nas paragens bus em pouco tempo. Depois de ter confirmado o que quem anda de autocarro sabe, o Município não foi consequente. Os milhares de infratores não tiveram qualquer consequência. Não se fiscaliza o estacionamento nas paragens de autocarro nem o desrespeito pelas poucas vias BUS que existem (Av. 31 de Janeiro e Rua do Raio). 

Não há um plano de mobilidade com ações concretas e orçamento. É preciso ter uma estratégia e ter ações consequentes com o discurso. Não se está a ter. É preciso acabar com o fosso (gap) entre a realidade e a percepção de quem está nos gabinetes.

A mobilidade induz-se.